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A
Teoria dos Refúgios Florestais: Distribuição e evolução das Paisagens ao fim do
Pleistoceno
Pedro
Hauck – Mestrando em Geografia UFPR, Curitiba – PR – Brasil: pedro@gentedemontanha.com
Eliza
Tratz – Mestranda em Geografia UFSC, Florianópolis – SC – Brasil: elizatratz@gmail.com
Resumo:
A
Teoria dos Refúgios Florestais é o conjunto de idéias mais importantes
referentes aos mecanismos de evolução das paisagens Neotropicais da América do
Sul e é o modelo teórico que melhor explica as razões para a biodiversidade das
paisagens, assim como as extinções que houveram ao término do Pleistoceno.
Neste artigo pretende-se revisar o estado da arte dos estudos evolutivos
quaternários sob a ótica desta linha de pesquisa paleo-geográfica.
Abstract:
The Ice Age Forests Refuge is the most
important set of ideas concerning the mechanisms of evolution of the Neotropics
landscapes of South America. It is the model that best explains the reasons for
the biodiversity of the landscape and the extinctions that had occurred in the
end of the Pleistocene. This article seeks to review the state of the art of
the rolling quaternary studies from the perspective of this paleo-geographical
research.
Introdução:
O mais
importante corpo de idéias referentes aos mecanismos e padrões de distribuição
de floras e faunas da América Neotropical. Assim, Ab’Sáber (1992, pg 29)
defende a Teoria dos Refúgios Florestais, tanto pelo que ela envolve de
significância biogeográfica e ecológica, quanto pela sua própria experiência de
multidisciplinaridade, na interface das geociências e biociências A idéia síntese que embasa a Teoria dos
Refúgios é, segundo Viadana (2002, p. 20-21.):
[...] a que flutuações climáticas da passagem
para uma fase mais seca e fria durante o Pleistoceno terminal, a biota de
florestas tropicais ficou retraída às exíguas áreas de permanência da umidade,
a constituir os refúgios e sofrer, portanto, diferenciação resultante deste
isolamento. A expansão destas manchas florestadas tropicais, em conseqüência da
retomada da umidade do tipo climático que se impôs ao final do período seco e
mais frio, deixou setores de maior diversidade e endemismos como evidência dos
refúgios que atuaram no Pleistoceno terminal.
A razão da
existência de um clima mais seco e frio no período citado está relacionada com
a glaciação de Würm-Wisconsin. Durante este período, houve uma redução
da temperatura média do planeta, como conseqüência, os pólos confinaram muito
mais água sob a forma de gelo resultando na redução do nível médio dos mares,
deixando expostas grandes faixas de terras antes ocupadas pela água do mar
(VIADANA op.cit).
Como
resultado destas mudanças climáticas em nível mundial, as correntes marítimas
frias ficaram mais intensas. A corrente
das Malvinas, que hoje chega com intensidade até o litoral da província de
Buenos Aires na Argentina, neste período chegava até o litoral sul do atual
Estado da Bahia. Toda a faixa litorânea do Brasil Sul e Sudeste passou a ter
influência direta desta corrente fria de maneira semelhante como ocorre hoje
nos litorais do Pacífico da América do Sul. Estas faixas de terra, dentre as
quais a atual plataforma marinha que então aflorava, se tornaram espaços com
climas secos (VIADANA op.cit).
A
perda de umidade foi a maior alteração climática durante o período da ultima
glaciação (fig. 1). A redução de
temperaturas também foi sentida, entretanto, ela foi significativa somente nas
grandes latitudes e altitudes, onde houve redução suficiente para que as
geleiras polares e de montanhas se expandissem (VIADANA op.cit).
Este
quadro de mudanças climáticas durou alguns milhares de anos. Sendo que teve seu
ápice de aridez, de acordo com Ab’Sáber (1977b) entre 12.000 e 18.000 mil anos
atrás. Durante este período, a cobertura vegetal higrófita sofreu um grande
impacto com a perda de sua capacidade competitiva com as plantas xerófitas.
Assim, a vegetação dos domínios de paisagem biostáticos sofreram uma drástica
redução de sua atuação territorial, enquanto que a cobertura vegetal de
domínios resistásicos, favorecida ecológicamente, avançou tomando novo arranjo
espacial.
Figura
1. Configuração das paisagens durante o máximo glacial. Ab’Sáber (1977).
Mesmo com
considerável avanço das floras xerófitas em decorrência da aridificação e
semi-aridificação geral no continente. As floras higrófitas não foram extintas,
pois caso contrário não haveriam florestas e campos úmidos nas paisagens
atuais. A biota úmida das paisagens pleistocênicas ficaram retraídas em áreas
exíguas onde mesmo durante o período máximo de aridez houve a manutenção da
umidade e pluviosidade, isso graças ás características morfológicas dos
domínios de paisagens que comportam planaltos interiores, serras litorâneas e
relevos residuais intra-depressionais. Entretanto, hipóteses de extinções que
vieram a ocorrer em decorrência da mudança climática não são descartadas, como
no caso da extinção de alguns táxons da mega-fauna quer será tratada adiante
(HAUCK, 2008).
Existem até
hoje muitos indícios morfológicos dos climas secos quaternários. Eles tiveram
uma atuação no tempo menor do que os paleoclimas Cenozóicos que resultaram no
vasto aplainamento que deu origem a algumas das grandes províncias
geomorfológicas atuais do relevo brasileiro. No entanto, os paleoclimas
quaternários por mais que tenham atuado em uma escala de tempo geológica muito
menor, deixaram sua impressão na paisagem seja em características ecológicas da
Paisagem como edáficas (BIGARELLA et. all,
2003).
Nas
características edáficas, a herança mais significativa deixada por este
paleoclima mais seco que atuou ao fim do Pleistoceno são as chamadas Stone lines, ou simplesmente “linhas de
pedra” (AB’SÁBER, 1959, 1966a).
REVISÃO SOBRE A ORIGEM DAS LINHAS DE PEDRA.
As linhas de
pedra (foto 1) são horizontes de
seixos sub-superficiais enterrados por colúvios posteriormente pedogeneizados,
a 0,50 – 2 metros
de profundidade. Tais seixos apresentam formas arestadas e angulosas (foto 2), situam-se em extensas áreas das
encostas dos morros e colinas de terras úmidas recobertas por florestas e
campos no Sul e Sudeste brasileiro.
Foto 1: Linha de Pedra em Jundiaí – SP, foto Pedro Hauck.
Tais
“pedrinhas” não abriam possibilidade para que fossem interpretadas como antigos
depósitos aluviais ao molde dos encontrados em inúmeros paleoterraços nas
proximidades de drenagens. Formam assim extensas linhas de pedras expostas
horizontalmente em barrancos e afloramentos. Estas características levaram
diversos autores a sua interpretação genética.
Foto 2: Disposição dos seixos
em linha de Pedra. Foto Pedro Hauck.
Bigarella
(1964) e Ab’Sáber (1966) teceram a teoria mais contundente sobre a gênese das
linhas de pedra relacionando-as com a última grande flutuação climáticas
Quaternária à época da fase Würm-Wisconsin.
Para os
autores, as linhas de pedras são pedimentos originários da morfogênese na fase
de semi-aridez que ocorreu ao final do Pleistoceno. Tal hipótese afirma que em
virtude da semi-aridez, a vegetação que recobre e protege o solo de agentes
erosivos sofreu um recuo e por isso o material regolítico exposto sofreu
transporte coluvial sendo então depositado em regiões de baixada.
Bigarella (op.cit) afirma que este período de
semi-aridez foi demasiadamente curto, portanto, não respondeu pela elaboração
de pediplanos, como ocorreu no Terciário, sendo o depósito de seixos o
resultado maior desta rápida fase resistásica que somente deixou suas
impressões mais marcantes na atualidade devido ao pouco tempo demandado desde
esta época, ao ponto que a pedogênese atual ainda não foi capaz de apagar todos
os traços da morfogênese deste clima pretérito.
Ab’Sáber (op.cit), compara a paisagem à época da
elaboração das linhas de pedras com a atual paisagem semi-árida das depressões
sertanejas do Nordeste brasileiro, onde é comum o pavimento pedregoso, chamado
popularmente pelos habitantes do sertão de “malhadas”.
Há, entretanto,
opositores a teoria de Ab’Sáber e Bigarella sobre a evolução das linhas de
pedra. Dentre elas a interpretação na ação biológica. Esta hipótese baseia-se
na remoção seletiva das frações finas do solo da subsuperfície para a
superfície pelos cupins (térmitas), vermes e formigas, contribuindo assim para
o isolamento de fragmentos grossos (Bigarella, ett. all,2005).
O que esta
teoria não consegue contemplar é a grande extensão de ocorrência das linhas de
Pedra nos atuais domínios de paisagem úmidos e sub úmidos. Ab’Sáber (1966),
também considera que a seleção uniforme do material fino não poderia ser
originada pela ação lenta e irregular dos cupins, pois os organismos não seriam
capazes de ascender as de partículas finas de maneira regular por toda extensão
de uma área superficial sub-horizontal.
Outra dúvida
acerca da hipótese dos cupins é sobre os cálculos de transporte do material transportado
por eles que poderiam ser insuficientes para este tipo de acumulação, devido às
perdas por erosão.
Outra hipótese
para a origem das linhas de pedras foi aventada na África por pedólogos
franceses na borda do deserto do Sahara,
onde os ventos que carregam areias soterram os solos pedregosos, dando origem,
assim como no Brasil, a linhas de seixos inumadas. Apesar de uma explicação
simples, no Brasil não há, como na África, um deserto de onde seriam originais
os resíduos eólicos. CONFIGURAÇÃO PALEOGEOGRÁFICA DO BRASIL DURANTE O
PLEISTOCENO TERMINAL.
Antes da fase
final do Pleistoceno, os domínios de paisagem já haviam, adquirido uma
composição florística semelhante à atual. Entretanto, com esta sensível mudança
climática os quadros vegetacionais da América do Sul sofreram reconfigurações
territoriais:
As implicações de tais mudanças climáticas
sobre as condições ecológicas são tão ou mais expressivas do que a atuação dos
processos físicos sensu stricto. Ocorrem mudanças de marcha nas condições do
ambiente/espaços ecológicos/paisagens; horizontes de solo são removidos
gradualmente com o fenecimento de biomassas anteriormente predominantes;
modificam-se os processos morfogenéticos; inicia-se a formação de novos solos
pela transformação sutil dos remanescentes dos solos pré-existentes, ou pelo
acréscimo de novos depósitos de cobertura em processo de pedogenização.
Milhares de anos de fases harmônicas entre a morfogênese, a pedogênese e a
exploração biológica dos espaços geoecológicos, são interrompidos por fases
agressivas de transformações na superfície dos terrenos, com redução e retração
de biomassas anteriormente existentes. Às fases de biostasia sucedem-se fases
de desintegração em cadeia das condições ambientais ditas de resistasia. Ao
tempo que complexos de vegetação em clímax sofrem o advento de fases disclímax,
altamente fragilizadoras, suficientes para a expansão de floras de outras
províncias de vegetação (AB’SÁBER, 1992, pg 29-30).
Assim, segundo
Ab´Sáber (1977b), a flora seca das depressões interplanálticas do nordeste
brasileiro encontraram vastos espaços por onde encontraram facilidades de
dispersão.
Uma das vias de
expansão das caatingas foi o litoral, que no Pleistoceno Terminal comportava
uma vasta planície semi-árida, já que o mar nesta época havia sofrido uma
transgressão e seu nível médio, era 100 metros mais baixo que nos dias atuais
(AB’SÁBER 1992).
Desta forma, as
caatingas avançaram pelo litoral do Sudeste alcançando até a latitude onde hoje
fica o Uruguai. Em muitas bacias atlânticas, situadas ao nível do mar, houve a
penetração desta flora xerófita que chegou até o limite dos antigos refúgios de
vegetação úmida nas bordas das Serras (Ab’Sáber op.cit, pg. 11).
As matas se
reduziram a agrupamentos de refúgios acantonados em sítios topográficos
preferenciais em termos de captação de umidade. Neste sentido os refúgios da
Serra do Mar, entre Santa Catarina e Espírito Santo devem ter permanecido em
faixas um tanto quanto descontínuas, na testada superior das escarpas mais
expostas à umidade, enquanto as terras baixas costeiras, estendidas para
setores da plataforma continental eram relativamente muito mais secas
(AB’SÁBER, 1977b).
No interior do
continente, a área nuclear do domínio dos cerrados foi muito menor, isto por
que parte dela deveria ser ocupada por caatingas, na metade norte do Planalto
brasileiro, enquanto que sua borda Sul era grande parte dominada por estepes,
pradarias mistas e um núcleo menos denso de Araucárias (AB’SÁBER, op.cit).
O pediplano
cuiabano e as depressões interplanálticas e intermontanas de Mato Grosso,
Goiás, Bahia e Minas Gerais, tenderam sempre a climas mais secos, disto
resultou que nessas áreas deprimidas ou rebaixadas, predominavam caatingas
sobre cerrados. Por outro lado, no interior de depressões interplanálticas e
intermontanas como em São Paulo, deve ter havido condições para que os cerrados
se mantivessem refugiados enquanto a caatinga se disseminava. Ab’Sáber (1977b,
pg. 10) faz uma síntese sobre a situação dos cerrados durante o período de
atuação da ultima crise climática:
A imagem espacial que se pode fazer em relação
à área core dos cerrados retraídos é a de um macroenclave de cerrados, em pleno
núcleo alto dos chapadões do Brasil Central, tendo por entorno uma complexa
rede de paisagens representada por caatingas e estepes entremeio das quais eram
raríssimos os refúgios de tipo orográfico.
O interior da
Amazônia provavelmente assistiu um avanço de cerrados. Ab’Sáber (op.cit), afirma que eles ocuparam os
tabuleiros e baixos chapadões amazônicos, convivendo com grandes matas galerias
e múltiplos-enclaves de vegetação sub-xerófila. A rede de cerrados
pleistocênicos, segundo o citado autor, se estendia pelo noroeste amazônico até
os llanos do Orenoco.
É quase certo
que não houve depressão interior, seja desnudacionais, como o sistema de
depressões periféricas da bacia do Paraná ou depressões monoclinais, assim como
depressões tectônicas aos moldes do vale do Paraíba paulista, que não tenha
sofrido a penetração de climas secos, seja a nordestina ampliada e a costeira
estendida.
Durante este
período, em outras depressões como a do médio São Francisco que hoje é uma
região de grande tipicidade do domínio das caatingas, houve uma alternância de
clima semi-árido para árido. Nas proximidades da cidade de Xique Xique na
Bahia, há grandes campos de dunas, as maiores do interior do Brasil, que
durante este período estiveram ativas, o que demonstra que durante o final do
Pleistoceno esta região foi um deserto (AB’SÁBER, 2006).
Algumas áreas
de planaltos subtropicais e mesmo tropicais, da metade centro-sul do Planalto
Brasileiro, foram mais secos e ligeiramente mais frios. Estas condições
fisiográficas favoreceram as florestas de Araucárias que se expandiram sob a
forma de pontes, acompanhando as terras altas do Brasil, como as cuestas entre os segundos e terceiros
planaltos do Paraná que se estendem por São Paulo e a Serra de Paranapiacaba.
Estas formações florestais atingiram os altos da Mantiqueira e Bocaina e se
estenderam por Minas Gerais e o a serra fluminense (VIADANA 2002).
A área do
Domínio das Araucárias, no entanto, de acordo com Ab’Sáber (1977b pg. 13) era
bem menos compacta e contínua, entremeado de setores sub-rochosos, estépicos
secos e um tanto deslocado para o Norte, através das ditas serras alongadas
dotadas de cimeiras sub-úmidas e úmidas.
Nas terras
rebaixadas da campanha gaúcha, as paisagens de pradarias úmidas sofreram
retração com favorecimento da vegetação xerófila do chaco argentino. Ab’Sáber (op.cit, pg. 13) salienta que das áreas
pampeanas topograficamente mais salientes da Argentina, Uruguai e Rio Grande do
Sul formaram um agrupamento de refúgios de prados nas ladeiras úmidas e
sub-úmidas da coxilhas e pequenas serras como as de Tandil e de Cordoba.
A
extinção da megafauna Pleistocênica
As razões para
a extinção de animais pleistocênicos de grande porte, a megafauna, animais com
mais de 50 quilos foi durante muito tempo relacionado com a predação humana
(BOMBIM, 1981), Isso por que na América do Norte e na Europa foram encontrados
dentro de cavernas, habitats que não eram destes animais, inúmeros ossos destes,
que apresentavam sinais de raspagem e fraturas intencionais provocados pelo
homem que, depois de predá-los, se alimentava da carne, daí os ossos naquela
situação e local (HAUCK, 2008).
Esta teoria foi
muito bem aceita e foi batizada em inglês como "Overkill", ou seja, a
“grande matança” (GRAYSON & MELTZER, 2004). Diversos táxons se extinguiram
durante o Pleistoceno, muitos deles, durante a glaciação de Würm-Wisconsin
quando a Europa e América do Norte estava debaixo do gelo glaciar.
De acordo com
Teoria do “OverKill”, para o homem sobreviver durante esta fase de mudanças climáticas ele aprendeu como dominar
a natureza, provocando a "revolução neolítica". Dentro das inovações
do homem, a mais significante foi o desenvolvimento de novas técnicas e novas
armas, que foram utilizadas na caça desenfreada de Mamutes e outros animais
pleistocênicos extintos (GRAYSON & MELTZER, op. cit).
Na América do
sul, a megafauna também foi extinta. Entretanto a glaciação nos intertrópicos
não resultou como nas grandes latitudes numa redução de temperaturas de forma
que as paisagens ficassem sob o gelo, nestas paisagens, de acordo com a Teoria
dos Refúgios Florestais o clima tendeu a uma atenuação da umidade.
Pesquisas
levadas à cabo pela equipe franco-brasileira na Serra da Capivara no Estado do Piauí,
refizeram o cálculo da presença do homem na América para um período anterior a
40.000 anos antes do presente (PARENTI, 1993). Por mais que as pesquisas da
Toca do Boqueirão da Pedra Furada apresentem uma polêmica sobre sua datação há
mais de uma dezena de sítios arqueológicos afirmam que o homem já estava na
América há mais de 10.000 anos, ou seja, em uma época anterior à última
glaciação (GUIDON, 2002).
A comparação entre
as datações da presença do homem no continente americano, com datações
paleontológicas comprovam que o homem pré-histórico brasileiro conviveu com a
megafauna pleistocênica. Entretanto, de acordo com Hauck (2008), o homem
pré-histórico do Brasil não tinha técnicas para predar animais grandes como os
que foram extintos.
Como bem
lembrado por Ab’Sáber (1992, pg. 31), a Teoria dos Refúgios Florestais exige
obrigatoriamente o tratamento da temática das extinções da megafauna.
Paralelamente, porém, uma revisão mais aprofundada da teoria implica acompanhar
os passos das migrações dos grupos páleoindígenas ao longo de extensos roteiros
por espaços sujeitos a demoradas e sutis modificações físicas e bióticas.
Com os dados
cronopaleontológicos coletados pelos pesquisadores do Museu do Homem Americano
de São Raimundo Nonato no Piauí e através do conhecimento e interpretação da
Teoria dos Refúgios Florestais, Hauck (op.cit)
pôde relacionar a extinção destes animais com a reconfiguração do quadro
vegetacional brasileiro na época da última glaciação, concluindo que a
megafauna sul-americana foi extinta por motivos climáticos/ambientais e não
antrópicos como dizia a teoria do Overkill.
Vários fatos
levaram à interpretação que estes animais não foram extintos pelo homem no
Brasil tropical. O primeiro deles é que nas pinturas rupestres encontradas nos
mais diversos sítios arqueológicos brasileiros existem muito bem representados
as cenas do dia a dia dos homens pré-históricos, sendo muito comuns cenas de
sexo, guerra e caça.
Os instrumentos
de caça encontrados são muito rudimentares e ineficientes para predar animais
robustos como eram os da megafauna pleistocênica. Neste caso há mais uma
contradição, pois apenas há registros de que o homem predava animais que não
foram extintos, principalmente Cervídeos, que aparecem muito
representados nas pinturas rupestres nos mais de 700 sítios arqueológicos da
região.
Até o momento
atual das pesquisas não foram encontrados no Sudoeste do Piauí indícios de
predação humana nos fósseis da megafauna extinta, como ossos raspados, que
implicassem a separação da carne para a alimentação, ossos com percurssão
causados por lanças ou flechas ou qualquer tipo de fraturas que significassem
um esforço humano para tanto (HAUCK, 2008).
A interpretação
das pinturas rupestres sugere identificar inúmeros traços culturais e sociais
das comunidades ditas primitivas. Entretanto são bastante passíveis de erros,
pois as figuras representadas podem fazer parte apenas da imaginação do homem e
não representar eventos reais de suas vidas. Independente da polêmica de sua
interpretação, os inúmeros painéis deixados nos abrigos sobre pedra da Serra da
Capivara e Confusões nos permitem visualizar muitas cenas de caça de Cervídeos,
e também confrontos com felinos de grande porte.
Estes indícios
nos deixam especular que o homem predava animais mais frágeis, possíveis de
serem caçados com seus instrumentos rústicos e que seu pequeno desenvolvimento
técnico fazia que o homem fosse também presa fácil para grandes carnívoros
caçadores que também não foram extintos pela crise holocênica, tal como a onça
pintada (panthera onca) o atual maior felino das Américas.
Ainda existem
em pequeno número algumas figuras rupestres que sugerem ser o retrato de
animais da megafauna (Foto 3). Não é descartado que o homem predasse
estes animais. É bem possível inclusive que o homem tivesse hábitos carniceiros
e se alimentasse dos restos mortais da megafauna.
Foto 3: Pinturas rupestres
interpretadas como Gliptodontes (Doedicurus.
sp) na Serra da Capivara, Estado do Piauí. Foto Pedro Hauck.
Da mesma
maneira que a Teoria dos Refúgios explica o desaparecimento de muitos táxons de
megafauna sul-americanos, ela também explica casos excepcionais onde há
registros da sobrevivência de alguns animais gigantes no Holoceno, como ocorreu
na própria Serra da Capivara, onde ossos de Megatherium
foram datados de apenas 5000 anos (HAUCK, 2008).
A extinção
tardia dos Megateriums da Serra da
Capivara ocorreu, pois a região que hoje é dominado pelo clima semi-árido
comportou no fim do Pleistoceno um vasto refúgio de cerrado que veio a
constituir um “stock” biológico, servindo de refúgio não somente de flora, mas
de fauna (HAUCK, op.cit).
A constituição
deste refúgio justifica a grande concentração de atividade humana e presença da
megafauna, pois o cerrado preservado, que apresentava uma extensão territorial
muito maior durante o fim do Pleistoceno, teria sido o aporte nutricional dos
táxons da Megafauna e Microfauna no período.
Realizando
estudos paleopalinológicos encontrados nos coprólitos de homens e animais da
Serra da Capivara, Chaves (2002, p. 100) confirma uma atenuação da crise
climática na região após o período de maior aridez, que teria dado “fôlego” à
extinção da fauna pleistocênica, que já havia sido muito reduzida:
[...] entre 8450 e 7230 anos atrás,
constatou-se a atenuação da última crise árida holocênica. Nesta época a
paisagem da região de São Raimundo Nonato era muito diferente da que conhecemos
hoje em dia. Os diagramas polínicos mostram uma forte percentagem da taxa de
arbóreos, assim como de associações típicas que confirmam a existência de uma
vegetação do tipo Cerrado – Cerradão.
Entretanto, o
clima continuou instável com grandes oscilações climáticas que não permitiram
um desenvolvimento pleno das espécies da megafauna, que vieram a se extinguir
durante um novo período de aridez holocênica, denominado de Optimum climaticum, por volta de 5.000
anos atrás. Segundo Ab'Sáber (1980), durante este período houve um aumento da
taxa geral de calor global, com um conseqüente aumento dos níveis médios dos
mares, porém com diminuição efetiva das precipitações em alguns compartimentos
de relevo, sentidos, sobretudo nas depressões interplanálticas do Brasil
tropical.
Verificamos que
no Sudoeste do Piauí as mudanças paisagísticas retratadas na Teoria dos
Refúgios Florestais dão suporte às discussões sobre extinção destes animais e
para o desaparecimento quase que total dos indícios de presença humana dita
primitiva. Todavia ainda surgem dúvidas sobre os motivos da não migração destes
táxons para as novas terras úmidas que se reconstituíam no planalto brasileiro.
A
retomada da tropicalidade no Holoceno
A proposição
central da Teoria dos Refúgios Florestais está relacionada com a grande fase
terminal de desintegração resistásica na América Tropical. Porém, de acordo com
Ab’Sáber (1992), ela inclui
necessariamente uma subproposta que é a de tentar acompanhar a recomposição da
tropicalidade ao longo dos últimos milênios.
Com
a retomada da umidade, os processos de evolução paisagística se inverteram e a
vegetação úmida tropical refugiada passa a se expandir em detrimento da
cobertura xerófila.
Neste
processo de retropicalização não houve, no entanto, uma total recomposição da
vegetação higrófita, isso por que mesmo nos atuais domínios úmidos existem
Geótopos onde as condições edáficas e microclimáticas dão condição para a
permanência da vegetação seca a comportar “Redutos” de vegetação com a presença
de indivíduos relictuais da fase resistásica da paisagem (AB’SÁBER, 1992).
Assim,
sobre lajedos e afloramentos rochosos, onde a incisão direta de raios solares
promove a evaporação da umidade, há, em grande extensão do Sudeste, Sul e
centro Oeste do país a ocorrência de espécies relictuais dos climas secos
pleistocênicos, sobretudo cactáceas e bromélias de chão.
Estes
“redutos” são comuns sobre os pães de açúcar de Minas Gerais, Rio de Janeiro (foto 4), Espírito Santo e Santa
Catarina. Ocorrem também nas cuestas
da bacia do Paraná e nos morros residuais mineiros, goianos e mato grossenses.
No litoral fluminense há um interessante enclave de caatingas em Cabo Frio,
região mais seca e dunar por influência da ressurgência de uma corrente marítima
fria.
No
Rio Grande do Sul, sob os solos rasos e afloramentos rochosos, despontam
cactáceas típicas da caatinga, como as do gênero Cereus, mas conjuntamente aparecem outras cactáceas que têm como
origem o domínio semi-árido do chaco da Argentina. O Mesmo acontece sobre
algumas “ilhas” secas em meio aos terrenos hidromórficos do pantanal
mato-grossense. Estes lugares são os únicos onde durante a fase semi-árida do
Pleistoceno, houve um contato entre a vegetação do domínio de caatinga e dos
outros domínios secos da diagonal Arréica sul-americana (hipótese sugerida por
Ab’Sáber, 1977a).
O
conceito de Reduto não contempla apenas a ocorrência de vegetação xerófila em
meio aos domínios úmidos atuais, mais do que isso, ela contempla a
identificação de Geótopos que são relictuais da última fase seca pleistocênica
que por diversos motivos permaneceram na paisagem até a atualidade. Assim, ela
também contempla outros rélictos que não são somente xerófilos, mas que tiveram
uma expansão durante tal fase de mudança climática, caso das Araucárias no
Sudeste (AB’SÁBER, 1992).
É
comum a presença de Araucárias nos altos das serras do Sudeste, em Campos do
Jordão, na Serra da Mantiqueira (foto5),
Serra do Caraça próximo à Belo Horizonte, Serra da Bocaina entre São Paulo e
Rio de Janeiro, além das cuestas
arenito-basálticas na região de São Carlos-SP. Estes redutos existem, pois
mesmo depois da retomada da tropicalidade, por causa da altitude mais elevada,
houve uma manutenção de temperaturas mais frias e assim a manutenção do habitat
ecológico da floresta subtropical (VIADANA, 2002, HAUCK 2005a).
Foto 4: Vegetação relictual
na Urca, Rio de Janeiro. Foto Pedro Hauck.
Nem todos os
“enclaves[1]”
atuais de paisagens se tornaram “redutos” de paisagem na mesma época. Muitos
enganos vêm ocorrendo quando alguma paisagem de exceção é interpretada através
dos conhecimentos evolutivos da ultima fase de aridez do Pleistoceno terminal.
Sendo que os processos que ocorreram durante esta fase puderam ter ocorrido
durante todo o Quaternário e até mesmo em outros períodos mais remotos do
Cenozóico, de acordo com Haffer & Prance (2002, pg. 186):
A Teoria dos Refúgios propõe que as mudanças
na vegetação seguiram reversões climáticas em virtude dos ciclos Milankovic
durante algum período da História da Terra, causando a fragmentação dos centros
de origem das espécies e o isolamento de uma parte das respectivas biotas em
refúgios ecológicos separados entre si, onde populações de espécies 1 se
extinguiram, 2 sobreviveram sem alteração, ou 3 se diferenciaram-se em nível de
espécie e subespécie.
Ao
contrário de Viadana (2000) que atribui uma temporalidade mais definida para a
Teoria dos Refúgios durante o Pleistoceno Terminal/ Holoceno, Haffer&Prance
(op.cit) sugerem que a teoria se
aplica também à diferenciação biótica que ocorreu durante todo o Cenozóico,
quando os ciclos de Milankovic causaram oscilações no nível do mar, alterações
rítmicas nas fácies de estratos geológicos e mudanças climático-vegetacionais
nos continentes, das palavras de Erhart (1966), períodos resistásicos, que
segundo Bigarella (2005) foram os ambientes responsáveis pelos processos
morfogenéticos. De acordo com Haffer&Prance (op.cit. pg. 186): Há evidências de que muitas espécies que ainda
existem já haviam se isolado durante o Plioceno, quando podem ter originado, no
decorrer do Terciário, refúgios florestais. Assim não se pode falar em apenas
uma “fase refúgio” mas sim em várias, o que representa ainda uma grande
dificuldade de interpretação e o desafio nas pesquisas Quaternárias.
Foto 5: Araucaria na Serra da
Mantiqueira – SP. Foto Pedro Hauck.
Considerações
Finais:
A
Teoria dos Refúgios, mesmo elaborada através da análise e da contribuição de
estudos geomorfológicos, devido sua experiência na multidisciplinaridade, foi
muito aplicada à estudos biocientíficos, sobretudo zoólogos e fitogeográficos,
como especiação de plantas, aves, répteis e mamíferos por diversos autores tais
como Vanzolini, Müller, Prance, Haffer, Willians, Vuilleumier, Mayr, Phelps e
Brown, sendo a explicação para a enorme biodiversidade das Paisagens tropicais
e sub-tropicais do Brasil (VIADANA, 2000).
Os estudos integradores sobre Paisagem começaram a
ficar em segundo plano na Geografia na década de 1970 diante da valorização que
a Geopolítica do Estado autoritário dava nas questões de planejamento e
ocupação de territórios visando a exploração de recursos naturais. De acordo
com Vitte, op.cit, pag. 10:
Consonante a esta necessidade
desenvolve-se a cartografia, particularmente a geomorfológica em que as
unidades de relevo são utilizadas como base de definição territorial através da
concepção de fragilidade, viabilizando à ação estatal tanto para o
estabelecimento de colônias agrícolas no
norte e centro oeste brasileiros quanto os sítios de exploração mineral.
O estabelecimento de uma Geografia física mais
pragmática e voltada aos interesses do estado autoritário levou a Geografia
Física brasileira a uma série de críticas severas àquilo se chamou de Geografia
Quantitativista. Neste momento de crise epistemológica, que caracterizou os
fins dos anos 70 e a década de 1980 as pesquisas em Geografia Física sofreram
um declínio. Nos anos 1990, de acordo com Vitte (op.cit.) as pesquisas em Geografia Física retornaram com mais
produções, mas muito mais influenciadas daquilo que se conveniou chamar de
“Análise ambiental” com conhecimentos muito mais aplicados e menos preocupados
com questões da gênese das paisagens.
No entanto, se há um
significativo avanço teórico e metodológico na geomorfologia brasileira com os
estudos ambientais, por outro, há um declínio significativo nos cursos de
geografia e nos programas de pós-graduação em geografia, de trabalhos de
geomorfologia que se preocupem com a gênese do relevo (VITTE, op.cit. pg.12)
Na atualidade os estudos relativos com a evolução
das paisagens são pouco contemplados pela Geografia. As contribuições atuais na
produção do conhecimento sobre a Geomorfologia genética tem ficado à cargo da
Geologia e com isso a visão integradora da paisagem tem sido pouco utilizada
para a compreensão de estudos evolutivos do Quaternário, sendo que as novas
contribuições vêm de áreas desconexas como a Geologia histórica, Palinologia e
Engenharia florestal e não é incomum haver atritos por questões metodológicas,
mesmo que estas ciências tenham em comum o mesmo objetivo: A evolução da
Paisagem no sentido Geográfico da palavra, à qual, para estas ciências e para
estes pesquisadores têm o nome sinônimo de “Ciência do Quaternário”.
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[1]
Enclave é uma Paisagem de exceção, onde por um motivo ela apresenta feições
distintas daquela Paisagem mais típica circundante.