Cláudio Ângelo (Editor de Ciências)
Folha de São Paulo de 27.03.2005
Estudo mostra que seres humanos já são o principal agente causador de erosão na superfície da Terra
Uma das principais forças geológicas da Terra muda a cara do planeta com uma dimensão e uma velocidade impressionantes. Ela move, todos os anos, uma quantidade de rochas e solo equivalentes a duas vezes o volume do monte Fuji, no Japão. Um volume de sedimentos que, se contados os últimos cinco milênios, bastaria para construir uma cadeia de montanhas de 4 quilômetros de altura, 40 de largura e 100 de comprimento. Dez vezes mais poderosa do que todos os rios e geleiras, a cada milhão de anos essa força seria capaz de rebaixar os continentes 360 metros. Trata-se da humanidade.
Nos últimos dez mil anos, após a invenção da agricultura, a erosão causada pelos cultivos e a quantidade de solo e rochas revolvidos pela construção de cidades, minas, usinas energéticas e estradas fizeram dos seres humanos um dos principais agentes a esculpir o planeta -só perdem para a dança das placas tectônicas. Nenhum outro processo natural conhecido é tão veloz, nem tão potencialmente perigoso.
"Temos de alimentar um número cada vez maior de pessoas numa parcela fixa de terras aráveis. Os meus números simplesmente mostram que não só a área é fixa como nós a estamos submetendo a uma erosão que não é natural. Tempos duros vêm aí", diz o geólogo Bruce Wilkinson, da Universidade do Michigan em Ann Arbor, EUA.
Os números a que Wilkinson se refere são dados de um estudo publicado por ele na edição deste mês do periódico científico "Geology". O trabalho é o primeiro a quantificar o papel dos humanos como agentes geológicos, comparando-os a forças naturais, como ventos, rios e geleiras -principais transportadores de sedimento para o oceano.
O cientista usou dados de diversos estudos anteriores para quantificar o reservatório de rochas sedimentares do planeta. Rochas sedimentares, como arenitos, são produzidas pelo acúmulo de sedimentos (daí o nome) ao longo do tempo geológico. Ele calculou o volume total que sobrevive na forma de crosta continental ou oceânica e mediu também a taxa de criação e reciclagem dessas rochas. Então, aplicou dados da taxa "antropogênica" de erosão ao total.
A partir do final do primeiro milênio da Era Cristã, diz o pesquisador, o homem ultrapassou a natureza. Wilkinson calculou que, ao longo dos últimos 540 milhões de anos, forças naturais de erosão moveram sedimentos a uma taxa capaz de rebaixar a superfície terrestre em 30 metros a cada milhão de anos. "Em comparação, atividades agrícolas e de construção transportam sedimento o suficiente para rebaixar as superfícies continentais livres de gelo algumas centenas de metros por milhão de anos", escreve o cientista.
Buracos pré-históricos
Wilkinson, um sedimentologista de 62 anos, conta que se inspirou a fazer sua pesquisa após ler um artigo do colega Roger Hooke, da Universidade do Maine (também nos EUA), sobre a história dos seres humanos como agentes geomórficos.
Segundo Hooke, os humanos começaram a alterar o relevo do planeta há 400 mil anos, quando o Homo erectus passou a mover pedras de um lado para o outro em suas construções rudimentares. A descoberta de que os melhores artefatos de pedra eram feitos de sílex provocou o início da atividade mineira -com buracos de até 10 m de extensão. A partir daí, a taxa só cresceu. Hoje, a erosão "per capita" mundial é de cerca de 6 toneladas ao ano. A dos norte-americanos é de 30 toneladas.
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Eu não me interesso mais por pesquisa normal", conta Wilkinson. "Há mais de 20 anos tenho brincado com questões que se relacionam às mudanças no estoque de rochas sedimentares do planeta. Quando vi o estudo de Hooke,
eu disse: "Bem, Bruce, acho que você você pode dizer às pessoas o quão importantes os seres humanos são".
Para os geólogos do futuro, a erosão acelerada causada pela humanidade terá provavelmente um efeito curioso: o de aumentar a quantidade de rochas sedimentares no planeta. A erosão causada pelos humanos, por enquanto, não está depositando sedimentos no oceano -principal local de formação desse tipo de rocha. Mas, um dia, todo esse material vai parar na água.
"Esse aumento, no entanto, terá vida curta, em termos geológicos", explica o cientista americano. Segundo Wilkinson, hoje a humanidade está removendo o solo a uma taxa muito mais alta do que a erosão natural das rochas é capaz de criá-lo. "À medida que esse desequilíbrio continua, haverá menos e menos solo perdido das terras aráveis, porque todo ele terá sido removido pela erosão", afirma. "Quando esse estado for alcançado, o suprimento ao reservatório sedimentar deverá diminuir, porque teremos removido todo o solo dos leitos rochosos."
Menos engraçado é o que isso significa num planeta com cada vez mais bocas para alimentar e com gente mais rica demandando mais calorias e proteínas. Uma vez que a quantidade de terras agricultáveis permanece fixa em cerca de 40% da superfície terrestre, a agricultura terá de ser mais intensa. "Vamos precisar ser muito mais espertos com conservação de solo", diz Wilkinson. "Mas isso não é realmente um problema geológico."